sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Desejo de última hora :)

SINOPSE

Marta é uma mulher diferente. Distinta do comum dos mortais, pela forma como conduz a sua vida e, contudo, igual a tantos, ao procurar resposta para a eterna questão: o que é o amor?

“Por vezes penso que o amor é um sentimento que idealizamos e de tanto o idealizar… acabamos por não o sentir.”

Constantemente debatendo-se com a sua identidade, abafa no sexo descomplexado a angústia da sua existência. Soma conquistas como se de uma predadora se tratasse. É honesta nas suas convicções e nos seus sentimentos. Reflecte sobre problemas sociais, desprezando a hipocrisia daqueles que transformam em tabu alguns dos assuntos que se prendem com o lado animal do Homem.

De entre as suas amigas, algumas preocupadas com a sua maneira de ser e estar, Marta é a que consegue transformar em falácia o desabafo de muitas mulheres que, tal como ela, procuram o amor, mas nada fazem para o encontrar, esperando que um dia lhes bata à porta e persistindo em afirmar que “os homens são todos iguais”.

Marta passa pela vida questionando-se e questionando os homens com quem se relaciona: Pedro, Eduardo, João… Que procura ela em cada um deles? Com qual destes homens pode ela encontrar-se?

João é o único a não reclamar sexo, mas apenas amizade, conhecimento mútuo; algo mais do que uma experiência sexual inócua, apenas por puro instinto. Talvez esteja aqui o amor que Marta procura e, assim, a sua cruzada conheça um ponto final. Ou não!

EXCERTO

Vira-o pela primeira vez durante o sono, nesse mundo que é criado pela nossa mente e do qual sabemos tão pouco. Esse mundo que chamamos irreal e só por existir tem tanto de real como o outro mundo em que vivemos.

Vira-o, era uma maneira de dizer. Desconhecia-lhe as feições, os contornos do corpo, a voz. Desconhecia-lhe a identidade. Apenas o sentira: sentira-lhe a presença; sentira o peso de um corpo sem forma a envolver o seu; sentira o bafo quente do seu hálito, o cheiro a suor e a macho; sentira as suas mãos indistintas a tocar-lhe, a fazê-la arquear e gemer de prazer.

Não tinham trocado palavras. Os sentidos falavam por si.

Sentira-lhe a boca colada à sua e a respiração faltara-lhe porque ele a absorvia toda. Acima de tudo, Marta sentira-lhe a energia que não sabia definir e que era como uma nuvem que descera e na qual se deixara ficar para ser transportada para uma dimensão diferente, uma outra esfera.

A sensualidade e sensibilidade daquele desconhecido, sem rosto, tocaram-lhe a alma e apoderaram-se dela: sentiu-o como nunca tinha sentido os homens reais que tinham passado na sua vida.

Acordou com o sexo a pulsar, em contracções, uma humidade quente a escorrer-lhe pelas pernas, os mamilos erectos, muito duros. Fechou então os olhos, com força, na tentativa de esquecer a penumbra do quarto, a escuridão da noite lá fora, o silêncio pesado à sua volta. Fechou os olhos para voltar depressa para o sonho e reencontrá-lo lá. Não voltaria a encontrá-lo nessa noite porque estava a forçar esse encontro. Sabia que era assim. Não se pode forçar nada. Tudo tem de acontecer quando menos esperamos. Era assim a lei da vida e também a lei da morte. Tinha aprendido que era assim também a lei do sonho. Somente quando sonhava acordada é que era diferente. Aí podia fazer batota: era ela a criar, a dar forma. E isso era coisa que sabia fazer tão bem! Tinha sido o seu refúgio e amparo muitas vezes, para fugir à realidade. Havia até quem dissesse que ela não vivia com os pés assentes na terra.

Como seria viver-se com os pés assentes na terra?

Seria possível que aquele homem fosse criação sua, durante esses períodos de sonhar acordada e depois tivesse vindo ao encontro dela, talvez para lhe dizer que, de um modo ou doutro, existia, sem contudo lhe mostrar quem era? Talvez fosse a maneira de lhe dar a entender que ela teria de o descobrir.

Continuaria a vê-lo – não, a senti-lo – em muitas outras noites.

Sempre a mesma comunhão perfeita de sentidos e de almas, o mesmo êxtase que a deixava saciada mas inquieta. E aquela energia que passava para além do físico e a elevava acima do concreto e palpável. Essa energia acompanhara Marta pelos dias que se seguiam. E sentia-o por perto, na brisa quente à tardinha, no vento frio da madrugada, na neblina da noite, no ar que respirava, no sol que lhe aquecia o corpo e na lua que a iluminava, nas longas noites de solidão.

Sabia que, no momento em que o encontrasse, o reconheceria. No momento em que os seus olhares se cruzassem, deixaria afundar-se no olhar dele e a energia que conhecera no sonho voltaria, desta vez mais forte, a envolvê-la, sem mesmo ele a tocar.

Sabia que o seguiria e se lhe entregaria, sem mesmo querer saber quem ele era. E ele não perguntaria se ela estava a sentir prazer, como muitos outros o tinham feito.

– Já te vieste? – Queriam saber, com o sexo rijo a perfurá-la, o suor deles a escorrer-lhe pelos seios e pela barriga, sem notarem o seu fingimento, os gemidos e contorções que se habituara a oferecer-lhes. Esses que se apressavam a atingir o orgasmo, somando mais uma conquista fácil, orgulhando-se da sua virilidade de machos fogosos.

Como o namorado da amiga de infância, que fizera amor como quem a galopava, sem emoção, horas a fio. E depois ficara um cansaço e um vazio. Vazio de tudo. Nem sémen lhe deixara, nas entranhas doridas.

Depois havia o marido de uma colega de trabalho que a tinha seduzido ao telefone, com uma voz rouca e sensual, criando uma aura de mistério à sua volta; esmagara-a com o peso de um corpo gordo, ela a mal sentir-lhe o membro flácido enquanto ele arfava, gotas de suor cobrindo-lhe a cara redonda e patética, coberta de barba espessa de que tentara, a todo o custo, livrar-se.

Marta ficava sempre a perguntar-se o que fazia ali.

Quando perdera a virgindade, tinha-se perdido a si própria. E tinha-se perdido, muitas outras vezes, quando se entregara a homens que não amara. E, ao perder-se, criara uma outra realidade e uma outra identidade.

Usava uma linguagem que muitos não entendiam e da qual se afastavam com escárnio, desconfiança, condescendência e sorrisinhos que magoavam.

Repudiava a condescendência: era o que mais a feria.

Não tinham de a compreender nem aceitar, a ela e às suas convicções, mas que a respeitassem. Ao menos isso. Esses que não entendiam que acreditava em forças e energias, e falava do Universo em vez de falar em Deus. Ela que falava de amor e de sexo, tinha uma sofreguidão por viver, e se dava à Vida, sem questionar.

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